O gene ATP1A3 é responsável por produzir uma proteína essencial para o funcionamento adequado das células do cérebro. Essa proteína age como uma “bomba” que mantém o equilíbrio entre o sódio e o potássio dentro dos neurônios — algo essencial para que os sinais elétricos do cérebro ocorram de forma normal. Quando há uma alteração (ou mutação) nesse gene, essa bomba não funciona como deveria, o que pode causar falhas na comunicação entre os neurônios e levar a sintomas neurológicos.
As alterações no ATP1A3 estão ligadas a um grupo de doenças raras que afetam principalmente o sistema nervoso. Entre elas estão a hemiplegia alternante da infância, em que a criança tem episódios de fraqueza ou paralisia que mudam de lado do corpo; a distonia-parkinsonismo de início rápido, em que os sintomas — como rigidez, lentidão e posturas anormais — aparecem de repente, geralmente após um estresse físico ou emocional; e a síndrome CAPOS, caracterizada por perda de coordenação motora, problemas de visão e audição, e deformidades nos pés. Em alguns casos, o gene também pode estar relacionado a formas graves de epilepsia e atraso do desenvolvimento.
Hoje sabemos que diferentes mutações no ATP1A3 podem causar manifestações diferentes — por isso, falamos em um espectro de condições relacionadas ao ATP1A3. O diagnóstico é feito por meio de testes genéticos, que ajudam a identificar a mutação e orientar o acompanhamento. Embora ainda não exista uma cura específica, o tratamento busca controlar os sintomas e evitar fatores que possam desencadear as crises.
O avanço da pesquisa nessa área tem trazido esperança de novas terapias mais específicas no futuro. Se você ou alguém da sua família tem diagnóstico confirmado ou suspeita de uma condição relacionada ao ATP1A3, é possível participar de uma pesquisa em andamento na Universidade de São Paulo (USP), da qual faço parte. Para saber mais ou manifestar interesse, basta entrar em contato pelo e-mail: pesquisaatp1a3@gmail.com
Atualmente, o tratamento das condições relacionadas ao ATP1A3 é principalmente sintomático e de suporte, já que ainda não existe uma terapia capaz de corrigir diretamente a alteração genética. O foco principal é reduzir a frequência e a gravidade das crises neurológicas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Como os sintomas podem variar bastante — desde crises de paralisia e distonia até dificuldades motoras e cognitivas — o manejo costuma ser individualizado, envolvendo uma equipe multidisciplinar com neurologista, geneticista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo.
Na hemiplegia alternante da infância (AHC), uma das formas mais conhecidas do espectro, a medicação mais utilizada é a flunarizina, um bloqueador de canais de cálcio que ajuda a diminuir a frequência e a intensidade dos episódios de hemiplegia e movimentos anormais. Alguns pacientes também podem se beneficiar de benzodiazepínicos (como o clonazepam ou diazepam) para controle de crises de distonia ou agitação. É importante evitar gatilhos conhecidos — como febre, estresse, privação de sono ou exposição a temperaturas extremas —, que costumam precipitar as crises.
No caso da distonia-parkinsonismo de início rápido (RDP), o tratamento com medicamentos dopaminérgicos, como a levodopa, geralmente não traz bons resultados, mas algumas pessoas podem ter melhora parcial com benzodiazepínicos ou baclofeno. Na síndrome CAPOS, o manejo é voltado principalmente para reabilitação motora e acompanhamento oftalmológico e auditivo. Em todos os casos, a fisioterapia regular, o acompanhamento neurológico contínuo e o apoio educacional e psicológico são fundamentais. A pesquisa em novas abordagens, incluindo terapias gênicas e medicamentos que modulam a função da bomba Na⁺/K⁺-ATPase, segue em andamento e representa uma promissora perspectiva para o futuro.